sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O Sonho Acabou

O natal vem chegando com várias más notícias para o mercado quadrinhístico brasileiro. Rumores de que essa ou aquela editora teriam fechado circulam desde sempre - se dependesse dos boatos que eu já ouvi, a Conrad já teria falido umas cinco vezes - mas agora temos notícias oficiais.

Uma não é tão drástica: no dia 11 de Dezembro último, Cassius Medauar, o "cabeça" da Editora Pixel, anunciou no blog da editora o seu desligamento do projeto. Segundo ele, "Os rumos tomados começaram a ser bem diferentes dos planos que tínhamos no começo e eu acabei não me encaixando mais nos planos da empresa. Continuarei dando consultoria para a Pixel na parte Editorial." Obviamente ele não dá detalhes de quais seriam essas diferenças de projeto editorial, mas posso prever que ele não saiu da empresa porque ela estaria querendo ser underground em excesso. Prevejo um futuro nebuloso, sem lançamentos nacionais, sem Corto Maltese, e com novos lançamentos da Marvel e DC, ou mangás pop para crianças de 5 a 10 anos.

A notícia mais triste e drástica é o fechamento oficial da editora Opera Graphica, após 10 anos de atividades. O site da editora foi substituído por uma nota sobre o fechamento, anunciando até uma festa de despedida em São Paulo. Pena que eu não vou poder ir.

Não sei se foi a recente crise econômica que abalou as estruturas dessas e de outras editoras que publicam quadrinhos no Brasil, mas pode ter sido um golpe final, a gota d'água, o último prego do caixão. Sejamos francos: o mercado editorial no Brasil é composto basicamente por fãs do Don Quixote, que acreditam no sonho irreal de um país melhor onde as pessoas compram e lêem livros. Fato é que vivemos em uma nação onde as pessoas só lêem Dom Casmurro por causa da mini-série da Globo, compram livros baseados no que a Revista Veja anunciou, e não conseguem nem entender direito os livros do Paulo Coelho. Quadrinhos, então, nem pensar: Mônica e Cebolinha, OK, fora isso, é coisa de retardados.

Mudar essa mentalidade é difícil, mas eu admiro quem tente. Mas acho os métodos pouco eficazes. Vender um produto cultural, no Brasil, se restringe a lançá-lo para uma minoria de gente que 1. se importa com adquirir cultura 2. tem dinheiro para gastar com isso e 3. procura coisas novas para ler, ao invés de apenas obedecer o que mandam a Veja e o Jô Soares.

Uma forma de mudar isso seria ir direto nas bases: toda criança gosta de ler quadrinhos, mas a partir de certa idade elas começam a relacionar seus gibis com a imaturidade, e decidem jogá-los fora junto com a fantasia do Batman e os brinquedos (exceto a bola de futebol, essa é coisa de adulto!). Ações de "marketing do bem" direcionadas a essas crianças para que continuem lendo quadrinhos adultos são vitais para a indústria.

Outra coisa importante é o preço do produto. Os gibis americanos que vendem na casa das 100.000 unidades custam lá 3 dólares. Aqui no Brasil um gibi semelhante, impresso em papel inferior, custa entre 10 e 15 reais. Os álbuns do Corto Maltese da editora Pixel custavam quase 40 reais. Na terra do Paulo Coelho e do Código Da Vinci, quem é que paga 30 reais em um gibi preto-e-branco e desconhecido. Só se o Jô Soares mandasse mesmo.

Jô Soares esse que adora quadrinhos mas raramente toca no assunto em seu programa. Se ele fosse abordado por essas editoras para, por exemplo, convidar quadrinistas brasileiros para ir até o programa dele mostrarem o trabalho, e coisas assim, garanto que ia ser outra coisa. Mas aparentemente as editoras de quadrinhos brasileiras estão ocupadas demais lançando mangás para pensar em uma estratégia de marketing diferente. Jogar os produtos em bancas e torcer para eles serem vendidos não funciona. O mercado editorial, brasileiro ou de qualquer outro país, não é uma pescaria.

O mais importante de tudo é mudar a visão que o público geral tem dos quadrinhos. Mostrar para o Brasil inteiro que existem quadrinhos adultos dos mais variados, e acabar de vez com essa maldição que cerca essa forma de arte tão estranha, incompreendida, mal estudada, usurpada, imitada, distorcida, ignorada e maravilhosa.

sábado, 29 de novembro de 2008

Otimismo

- Cara, acho que acabei de ler a primeira coisa realmente ruim do Alan Moore. E acabou com uma fantasia minha: a de que não existe personagem ruim, e que um escritor bom transforma qualquer merda em ouro.
- O que era?
- O encadernado das histórias dele para os WildC.A.T.S.
- Seu otimismo é comovente.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Chiqsland

Mais um daqueles quadrinhos que todo mundo já conhecia menos eu. Legal, principalmente os desenhos.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Cersibon... c'est fini?


Conforme eu já avisei aqui várias vezes, tudo que é bom dura pouco. Já deve fazer mais ou menos um mês que o Cersibon recebeu sua última postagem. Como era a tirinha de número 100, e eu acredito muito em numerologia, eu diria que a série acabou mesmo e pronto.

Se eu tivesse dinheiro infinito, lançava um álbum de luxo, impresso em papel couché, com as 100 tirinhas desse blog maravilhoso que por tanto tempo inundou de non-sense e genialidade o nosso dia-a-dia.

Permanece o mistério: quem é o autor das lendárias tiras... e por que??

Update: pra variar, falei merda de novo. Todo mundo menos eu já sabia quem é o Cersibon. Mas a minha pergunta continua valendo: por que??

Pós-Update: a saga continua em http://pornibon.blogspot.com/

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O tal do "Gibi"

Às vezes me sinto meio anacrônico chamando as revistas de histórias em quadrinhos de "gibis". Houve um tempo em que eu mesmo detestava essa nomenclatura, acreditando ser ela uma palavra que denegria a nobre arte da narrativa gráfica, e preferia termos pomposos como "graphic novel". Fato é que, tempo vai, tempo vem, e hoje em dia não vejo nada de mais em chamar os gibis de gibis. Nem sei se alguém ainda usa essa palavra - uma expressão do tempo dos meus pais - mas eu particularmente gosto bastante dela por motivos vários.

Por exemplo: vários países têm termos específicos para denominar os quadrinhos: os franceses chamam de "BD", os americanos de "comics", os italianos de "fumetti". Nós, brasileiros, poderíamos dizer "histórias em quadrinhos" ou apenas "quadrinhos", mas "gibi" é mais carinhoso, mais curto, e designa mais a revista em si do que a maneira visual e estética como os quadrinhos são criados. Uma palavra curta e simpática, que engloba um universo de significados e histórias.

Teorices à parte, o que importa mesmo é a origem do termo. Foi em Outubro de 1974 que a Rio Gráfica Editora lançou no mercado brasileiro o Gibi Semanal, compilação de tiras de quadrinhos impressas em formato tablóide, remanescente de antologias ancestrais como O Tico-Tico... e o próprio Gibi, cuja edição original data de 1939! Essa palavra "gibi" também remonta a 1939, pois só mesmo em um ano tão longínqüo alguém usaria essa gíria em seu significado original. Na época, a palavra denominava um garoto de pele escura, um popular "negrinho". Pois assim era o mascote da revista, uma espécie de "Yellow Kid brasileiro", que estava sempre presente nas capas e páginas da revista - tanto na edição original quanto na re-edição dos anos 1970. Mas devido à extrema popularidade da revista, a palavra acabou tendo seu significado totalmente modificado pelo uso, algo muito raro de acontecer em qualquer língua.

Os quadrinhos publicados no Gibi eram em sua maioria tirinhas estadunidenses do King Features Syndicate. Entre os títulos estavam Recruta Zero, Popeye, Peanuts, Brucutu, Frank e Ernest, Hagar, Mãi-ê!, Nick Holmes, Homem-Elástico, Ferdinando, Steve Canyon, Agente Secreto X-9, Dick Tracy, Flash Gordon, e Príncipe Valente. Além de todos esses "sindicalizados", algumas poucas excessões, como The Spirit e Lucky Luke. Muita coisa boa das mais variadas épocas e de vários estilos diferentes também - daí a origem da expressão "não está no Gibi"!

Como tudo que é bom dura pouco, o Gibi morreu em sua quadragésima edição, não sem antes deixar uma marca indelével no imaginário e na cultura popular do Brasil.

O site "Universo HQ" tem duas matérias muito interessantes sobre o Gibi: um artigo sobre a história da revista, e um valioso depoimento de Sonia Hirsch, a escritora que era a editora-chefe do Gibi em sua versão redux.

"Mundinho Animal" de Arnaldo Branco

Estava passeando pela internet quando fui parar no site da editora Tonto. Eles publicam muita coisa legal de quadrinistas bons e obscuros do Brasil. Figuras que a gente conhece da Animal, como Schiavon, MZK, os suspeitos de sempre.

Pesquisando no acervo de tirinhas do site, conheci um "tirista" muito bom chamado Arnaldo Branco. Gostei muito tanto dos desenhos quanto das historinhas dele.

O nome da tira é Mundinho Animal.

Update: Aparentemente todo mundo sabe que o Arnaldo Branco é um gênio mundialmente famoso menos eu. Aqui vai o link do blog dele. Parece que ele e o André Dahmer são os atuais tiristas do portal G1. Não sei se isso é bom ou ruim. Não importa muito.

Pós-update: Como se o mundo não fosse bizarro o suficiente, a terceira tirinha que o G1 está publicando é Maakies do Tony Millionaire. A gente morre e não vê de tudo nessa vida.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

20 Perguntas para Alex Toth



Entrevista de John Hitchcock feita com um dos maiores desenhistas, quadrinistas e designers de personagens do século XX, meu herói de infância Alex Toth. É só clicar aqui.

Toth trabalhou como quadrinista por mais de 50 anos nas mais variadas editoras. Também foi consultor e designer da Hanna-Barbera dos anos 1950 até 1982. Criou o visual de todos aqueles desenhos de aventura como Johnny Quest, Space Ghost, etc.

Depois eu falo mais sobre ele, sua obra e suas opiniões sobre desenho e quadrinhos são interessantes demais e merecem um post maior e mais elucidativo.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A Fuga de Aria


Dando seqüência às minhas aventuras através do tempo e do espaço, desenterrei outro álbum português de minha infância e que eu não lia desde então: "A Fuga de Aria", do belga Michel Weyland.

O gibi que eu tenho é a edição portuguesa (também da Meribérica/Líber, um ícone da minha infância) da primeira história da série, que já conta com 30 livros, o último deles, "Renaissance", tendo sido lançado em 2008.

Aria é uma guerreira medieval, que quebra tabus e paradigmas com sua condição de feminilidade em um mundo tão machista e truculento como aquele em que ela vive. No livro que eu tenho, ela é contratada por um senhor-de-guerra para treinar seu inepto exército, e, desacreditada por ele, consegue transformar os 10 soldados mais imprestáveis do batalhão em uma tropa de elite altamente capacitada. No final, depois de salvar o dia capturando o inimigo da aldeia e revelando o traidor, Aria deixa o posto para cuidar de um órfão que encontrou pelo caminho - não sei bem o que pensei desse final, mas tudo bem.

O desenho de Weyland mudou muito ao longo da série, embora a premissa básica tenha se mantido a mesma. É sempre interessante notar, nesses quadrinistas que trabalham com os mesmos personagens a vida inteira, como o estilo de desenho deles vai mudando ao longo do tempo, em uma evolução lenta e gradual que leva literalmente milhares e milhares de desenhos para acontecer.

Site oficial de Aria.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Hans - A Última Ilha

Depois da minha terceira mudança em 15 meses, minha coleção de quadrinhos já foi revirada tantas vezes que várias pérolas surgiram na superfície. Uma delas foi um gibi que eu não lia há uns 15 anos: "Hans - A Última Ilha", de Rosinski e Duchateau.

É uma ficção-científica que gira em torno do clássico cenário pós-apocalíptico onde os habitantes de uma cidade isolada em uma redoma entram em conflito com os selvagens habitantes do deserto que a cerca. Um tal de Hans aparece perambulando no deserto, é levado para dentro da cidade, e aí então é que começam seus problemas.

Apesar dos clichês, a história é interessante, e tem bons "twists", com um final surpreendente e meio depressivo. Infelizmente eu nunca li nenhum outro dos 8 livros da série.

O ilustrador do livro, o polonês radicado na Bélgica Grzegorz Rosiński, é mais famoso por sua série Thorgal, que já tem 30 álbuns e é uma das séries de quadrinhos mais populares da Europa. Aqui no Brasil, pra variar, ela nunca fui publicada a VHD Diffusuion publicou apenas um dos livros, "A Galera Negra", disputado a tapa pelos colecionadores portugueses.

Os gibis do Hans foram publicados em português pela editora portuguesa Meribérica/Líber.

Procure esse gibi na Estante Virtual.


terça-feira, 7 de outubro de 2008

Sinal dos tempos...

O mundo era assim:

e ficou assim:
Percebem a diferença?

Robert Sikoryak

Mais um cartunista da inúmera lista de grandes nomes dos quadrinhos que nunca são publicados no Brasil. A única história dele que eu tenho inteira é esse crossover entre Peanuts e Kafka, que saiu na íntegra na coletânea "Graphic Fiction", organizada pelo Ivan Brunetti.

O site dele é bem legal, e tem o e-mail para contato: rsikoryak.com

A História da "Raw"

O site Indy Magazine publicou uma matéria enorme chamada A RAW History, sobre a história da revista Raw, a lendária coletânea de cartunistas e artistas visuais publicada nos anos 1980. O texto é montado naquele esquema "Mate-me Por Favor": declarações dos envolvidos ordenadas cronologicamente. Os depoimentos começam com a história de Françoise Mouly, esposa de Spiegelman, quando ela ainda estudava arquitetura em Paris, e culminam com o cancelamento da revista e reflexões sobre tudo o que ela significou, seu presente e seu futuro.

Leitura obrigatória, especialmente para aqueles pobres diabos como eu que nem sequer sonham em adquirir os raríssimos exemplares originais dessa revista mitológica.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Adrian Tomine na revista Pulse

No início dos anos 1990, o quadrinhista nipo-estadunidense Adrian Tomine publicou várias histórias de uma página só na revista Pulse. Esse site reune todas elas scanneadas em resolução um pouco baixa, mas legível.

domingo, 21 de setembro de 2008

Mome

Descobri recentemente que a Fantagraphics está lançando uma revista trimestral chamada "Mome", que reune a fina-flor dos quadrinistas de nossa era. Pela capa da edição 11 já dá para sentir o nível do conteúdo. Eles estão todas disponíveis para venda na Amazon ou no site próprio site da editora.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Multiversos

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

League of Extraordinary Freelancers

Daniel Clowes, Art Spiegelman e Alan Moore, juntos? Parece o gibi dos seus sonhos, mas é apenas um episódio de The Simpsons. Três dos maiores autores de quadrinhos independentes do momento apareceram no desenho como uma liga de super-heróis que defende os interesses dos quadrinistas e fãs de quadrinhos.

Nesse torrent você pode baixar toda a 19a temporada de The Simpsons, mas o episódio de que eu estou falando é o número 7, "Husbands and Knives".

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Os Marinheiros Rebeldes do Submarino Nuclear Vladivostock

Depois de muito tempo parado, finalmente consegui concluir mais uma historinha em quadrinhos. Trata-se do rascunho para uma série que eu imaginei uma vez, sobre um grupo de marinheiros soviéticos que toma um submarino nuclear e fogem pelo mundo vivendo aventuras piratescas à-lá Corto Maltese ou algo do tipo.

Espero que gostem.

http://overmundo.com.br/banco/os-marinheiros-rebeldes-do-submarino-nuclear-vladivostock

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

"Pravda" relançada!

Depois de 40 anos de espera, os aficcionados por quadrinhos já podem respirar aliviados. Mais um clássico obscuro e esquecido dessa sub-estimada forma de arte será re-lançado no final desse ano.

Trata-se de "Pravda, la Survireuse", de Guy Pellaert e Pascal Thomas. Essa série foi publicada originalmente na forma de capítulos, na revista francesa Hara-Kiri, e depois saiu na forma de um álbum, em 1968.

A quarentona Pravda é uma heroína típica dos anos 1960: sexy, liberada, pró-ativa, e estilosa. Para resumir mal e porcamente, digamos assim que ela é a filha da Barbarella com o Mad Max. Suas aventuras futuristas são desenhadas com um traço muito fluido e bonito, e coloridas de maneira chocante, como se fossem versões ainda mais psicodélicas dos quadros de Roy Lichtenstein ou das serigrafias de Andy Warhol.

Quem quiser conhecer melhor esse trabalho, vai ter que pedir para o Papai Noel: a edição comemorativa de 40 anos começa a ser vendida no dia 15 de Dezembro de 2008. O livro é luxuoso e bonito, um capricho que só os franceses gostam de dar a seus quadrinhos. O preço é camarada: 18,05 € no site da FNAC. Esse é já é o "preço verde", com 5% de desconto. Em valores de hoje isso daria um total de R$ 43,18 fora o frete - nada mau para um gibi que ficou fora de circulação por 40 anos!

Na internet você encontra um pouquinho de tudo sobre esse gibi: uma biografia ilustrada, uma página original à venda, e até mesmo um curta de animação.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Fantar #04


Ultimamente eu não tenho tido tempo de ler nada e muito menos de baixar ou comprar gibis novos, então decidi dar uma esquentada nesse blog exibindo imagens de alguns gibis da minha coleção, para a posteridade.

Encontrei ontem um gibi que há muito eu não lia: a edição número 4 de Fantar, uma espécie de Godzilla/Hulk/Namor brasileiro do final dos anos 1960.

O site Central dos Quadrinhos Brasileiros fala rapidamente sobre o personagem:
A GEP (Gráfica Editora Penteado) tentou, em 1969, outro personagem submarino. Era Fantar, de Edmundo Rodrigues e Milton Mattos, sobre um anti-herói tipo Namor que queria destruir não só os habitantes da superfície como também os moradores das profundezas marítimas.
Também encontrei uma resenha bastante extensa no site Gibozóide.

Mas segue a minha própria:

Fantar é um típico gibi brasileiro dos anos 1960, feito meio na picaretagem, mas com alguma honestidade. Hoje em dia parece incrível falar isso, mas houve um tempo em que se faziam quadrinhos no Brasil apenas para ganhar dinheiro! Infelizmente, com o passar dos anos, os pais passaram a deixar os filhos cada vez mais por conta da televisão, e nunca os estimulam a ler nada, nem mesmo os gibis do Maurício de Souza. Hoje em dia uma criança ou adolescente médio só lêem seus e-mails e scraps do Orkut, e só conhecem o Batman o Homem-Aranha e os X-Men por causa dos filmes - o que dizer então de Astèrix, Corto Maltese, Lobo Solitário...

Er, mas voltando ao gibi do Fantar... A história principal do gibi se chama "Nas Portas de Shambála". O roteiro é de Milton Mattos, com desenhos de Edmundo Rodrigues. Tem 20 páginas. Depois dela, há uma historinha de 9 páginas, centrada em uma personagem secundária da série.

São 32 páginas de papel jornal impressas em preto, mais a capa, de papel sulfite branco impressa em 4 cores do lado de fora e preto do lado de dentro.

Os personagens centrais do gibi são Fantar, um "monstro atômico" com cara de lagarto, e os cientistas que o tentam derrotar: Dr. Branny, Miss Doty e Mr. Leader, chefe do serviço secreto. A história é uma confusão envonvendo uma cidade mística onde estariam guardada a essência da raça humana ou algo do tipo. O texto inclui pérolas que só mesmo os anos 1960 poderiam nos proporcionar:

"Esses malditos ions! Eles me torturam!"

"Destruiremos o gérmen cósmico da raça humana! Ah! Ah! Ah!"

"...pois a mulher com quem me hei-de comprometer não nasceu ainda!..."

"Fantar está exausto... A luta é cruenta..."

"Este mar está excelente! Por onde andará aquele enjoadão do Mr. Branny?"

Já deu para entender :)

Uma coisa que eu achei interessante é que, apesar de ser um monstro bizarro que não conversa com ninguém, o gibi nos permite ouvir o que Fantar está pensando. Normalmente esse tipo de construção narrativa (monstro vs. todo mundo) caracteriza o monstro como se fosse uma força da natureza, tal qual uma tempestade, como no caso dos monstros gigantes japoneses filhos de Godzilla, personagem no qual nosso amigo Fantar pode ter sido inspirado. Fantar, por outro lado, pensa, e ouvimos seus pensamentos, em formato mais semelhante ao do Hulk, lançado pela Marvel apenas alguns anos antes.

Outra coisa divertida no gibi são as presepadas científicas, como o avião-patrulha cheio de bombas nucleares que passeia pela amazônia peruana, e o "equipamento de irradiações ultra-dimensionais", o que quer que signifique isso.

Vale também lembrar que, assim como em quase todos os gibis e filmes dessa época, a protagonista feminina é uma idiota inútil que só serve para sentir ciúmes do personagem principal. Ela é completamente fútil e só se preocupa com romances, ao invés de ajudar o protagonista Dr. Branny. Esse tipo de esterótipo era muito comum até pouco tempo atrás, e colaborava para manter as meninas afastadas do maravilhoso mundo dos gibis, além de incutir nos garotos alguns conceitos bastante machistas.

Agora, o que ninguém consegue explicar mesmo, é por que diabos um lagarto antropomórfico de 20 metros de altura usa um calção de banho preto.

domingo, 29 de junho de 2008

"Cobalt 60" - Vaughn Bodé


Tem gente que não gosta de mudanças. Não é o meu caso. Gosto muito quando as coisas mudam - gosto tanto que resolvi me mudar eu mesmo. Peguei minhas coisas e saí da casa dos meus pais, vindo morar em um pequeno apartamento no centro da cidade. Pela primeira vez, todos os meus quadrinhos vão poder ficar reunidos no mesmo lugar, expostos orgulhosamente ao invés de escondidos em caixas empoeiradas no fundo de algum armário.

No processo de desencaixotar as revistas, redescobri várias pérolas que eu sequer me lembrava de existirem. Uma delas foi a revista "Heavy Metal Overdrive" (volume 9 número 1), uma edição especial da Heavy Metal americana publicada em Maio de 1995. Me lembro claramente da primeira vez que eu li esse gibi: fiquei estarrecido com algumas histórias, especialmente as mais curtas e menos aerografadas. Tinha a sensacional série Cave Man de Tayyar Ozkan, e uma história muito legal chamada Versus: Blind Memory, de Joseph Polls e Jose Beroy, sobre um velhinho que leva seu neto em uma caçada maluca a um suposto bandido, em uma espécie de meta-linguagem com o Pernalonga... enfim, outro dia eu conto essa história.

O que mais mexeu comigo nessa revista foi um historinha chamada Cobalt 60.

Naquela época a internet não era tão útil como é hoje em dia, por isso eu nunca soube direito o que era aquela história. Pesquisando ontem à noite eu tirei tudo a limpo e agora tudo faz um novo sentido para mim.

O personagem Cobalt 60 foi criado pelo quadrinista underground americano Vaughn Bodé. Ele nasceu em 1941, na cidade de Utica, estado de Nova York. Em 1969 ele se mudou para Manhattan, onde conheceu grandes nomes do quadrinho underground, como Spain Rodriguez e Robert Crumb.

Seu personagem mais famoso é o Cheech Wizard, mas vamos vou me concentrar no Cobalt 60 aqui para não perder o fio da meada. Esse personagem nasceu em um rascunho em 1959, mas só foi desenvolvido em 1968, quando Bodé desenhou uma história de 10 páginas para a revista Witzend. Depois disso, Bodé abandonou o projeto. Segundo seu filho Mark, as histórias violentas do futuro pós-guerra-nuclear deixavam Bodé deprimido. Esse mesmo Mark Bodé retomou o personagem em 1984, com roteiros de Larry Todd. Mais tarde ele serviria de inspiração para o filme Wizards, de Ralph Bakshi. Isso gerou uma controvérsia: alguns acusaram Bakshi de plágio puro e simples, enquanto o mesmo afirmava que Bodé era seu amigo pessoal e havia lhe indicado um roteiro baseado em Cobalt 60 para que ele desenvolvesse. Como Bodé morreu em 1974, e o filme é de 1977, talvez jamais saibamos o que realmente aconteceu entre os dois.

Para nossa sorte, a história original de Bodé com o Cobalt 60 fui publicada em um blog chamado Golden Age Comics. Eu não conhecia esse blog, mas recomendo a todos: além de ser atualizado com bastante freqüência, ele traz muito material antigo e raro; coisas muito interessantes mesmo. A história saiu no mês de Maio de 2008.

Meu scanner ainda não está aqui em casa, assim que estiver eu scanneio a história da Heavy Metal e coloco aqui.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Quadrinhos no YouTube!?

É isso mesmo, amiguinhos. Passeando pelo YouTube encontramos vários vídeos relacionados a quadrinhos, com coisas muito interessantes.

Tem um documentário em três partes (uma duas três) sobre o Chris Ware. Além de ser um dos maiores quadrinistas da atualidade, ele toca piano que é uma loucura. Assim como o Robert Crumb, ele é obcecado com música dos anos 1890/1920 e tem uma vitrola muito louca. Eu achei interessante uma parte em que ele fala que o trabalho do cartunista conduz à depressão. Eu sempre achei que era o contrário (que a depressão levava a pessoa a fazer quadrinhos). Preciso pensar mais sobre isso.

Também tem alguns vídeos do Daniel Clowes. Tem uma série de vídeos mostrando ele dando autógrafos na San Diego Comic Con. Um making of do Ghost World. Mas o mais bizarro e deprimente é um comercial da Apple com ele. Fiquei muito decepcionado com o meu ex-ídolo.

Tem uma entrevista curta com o Robert Crumb e vários pedaços daquele filme sobre ele. Em outro vídeo ele explica como é o formato ideal de mulher para ele. Tem uma versão em video de uma história em quadrinhos, mostrando a "evolução" (oi Júlia) da América. Tem até mesmo músicas da banda dele, os Cheap Suit Serenaders. Você pode baixar um disco deles aqui.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

"Fun Home" de Alison Bechdel

Alison Bechdel, 2006
Ed.: Conrad
2007

Fun Home tinha tudo para dar errado: é um livro confessional, sem piadas, grosso, denso, complexo, cheio de citações literárias e que toca temas tabu como homossexualismo e pedofilia. Junte tudo isso a uma autora com cara de intelectual e um desenho todo preto branco e verde e você tem nas mãos... o que? Um fracasso editorial?

Não. Sinto muito. Fun Home é fantástico. E é um sucesso também. Foi eleito o Livro do Ano de 2006 pela revista Time, e ganhou o Eisner Awards em 2007, e conseguiu desmistificar tudo aquilo que eu disse anteriormente. Em um momento em que os quadrinhos independentes americanos correm o risco de se afogar na lama do egocentrismo, com enxurradas de histórias confessionais e auto-biográficas inundando os zines, sites e revistas, Bechdel conseguiu criar uma narrativa pertinente, intrigante, e cheia de personalidade.

O livro conta a trajetória da relação entre a autora e seu pai, um homem complicado e cheio de mistérios, que morreu atropelado por um caminhão aos 44 anos de idade. O livro não segue uma ordem cronológica que culmina com a morte do pai: cada capítulo explora uma dimensão diferente dessa relação, apresentando peças de um quebra-cabeças que a autora vai montando ao longo das páginas.

Não, não é mais um livro sobre pais que estupram as filhas que se tornam lésbicas rancorosas. Eu caí na tentação de pensar isso quando li a orelha do livro, mas em poucas páginas o talento narrativo e a delicadeza de Bechdel dissolveram meu preconceito. Ela aborda os temas de uma maneira ao mesmo tempo direta, sensata, organizada e lógica, sem perder nunca os detalhes complexos da personalidade e da psiquê de todos os personagens.

Apesar de falar sobre os problemas secretos do pai, as dúvidas sobre a causa de sua morte, e a descoberta da sexualidade pela autora, o tema central e mais interessante do livro é a literatura propriamente dita. Depois de explicar e analisar sua complexa relação com o pai, Bechdel mostra como conseguiu, a partir de um certo momento da vida, manter uma relação com o pai, e que isso só se deu através da literatura. Essa parte do livro abre espaço para muitas discussões interessantes sobre a função da arte e da cultura, e da literatura em particular. E o mais importante de tudo: essa discussão acontece em um livro de quadrinhos!

Talvez a autora pudesse ter falado mais sobre isso. Que eu me lembre, em momento algum do texto ela explica sua opção pelos quadrinhos: apenas mostra cenas em que ela desenha na adolescência. Também vemos a palavra “tragicomédia” no subtítulo do livro, mas eu não me lembro de ter achado nada engraçado em toda a narrativa. É claro que a história é um drama, uma espécie de auto-terapia, que é sempre uma maneira muito difícil e corajosa de lidar com certas recordações e sentimentos. Mas a comédia nasce da destruição, da desgraça e da morte, e o humor muitas vezes é a única maneira que o ser humano tem de encarar tudo isso. Mas quem sou eu para dizer o que os outros devem fazer em seus livros?

Resumindo: Fun Home é um livro pessoal sem ser egocêntrico, denso ser ser hermético, complexo sem ser chato, emocionante sem ser piegas. Para ler sozinho em um dia de chuva, ou de madrugada, deitado na cama e pensando um cigarro.



Update: o site da Conrad está dando um descontinho no livro por conta do lançamento, se quiser comprar vá direto no site deles que sai mais em conta! É só clicar aqui.

"Delírios Cotidianos" de Mathias Schultheiss & Charles Bukowski

por Mathias Schultheiss
baseado em textos de
Charles Bukowski
1984 - Ed. L&PM


Um resenhista comum, desses que habitam os blogs normais que compõem a blogosfera – da qual, devo dizer, faço questão de não fazer parte, pois não estou aqui para “monetizar” nem para “gerar buzz” - cairia facilmente na tentação de escrever um texto inteiro sobre o Bukowski para no final dizer uma frase curta sobre os desenhos do Mathias Schultheiss.

Mas eu não vou fazer isso. Já existem duzentos mil sites sobre o Bukowski, e cerca de 50% dos blogs do Brasil são escritos por jovenzinhoas que querem ser como ele, mas mantendo o cabelo
penteado e usando roupas da moda, bebendo cerveja e usando camisinha.

Bom, mas eu não estou aqui para falar de blogueiros. Eu estou aqui para falar de coisas sérias, densas, concretas, profundas. Eu estou aqui para falar de quadrinhos.

Se você for sortudo o suficiente para encontrar uma cópia de “Delírios Cotidianos” em algum sebo, recomendo veementemente que gaste todos os centavos necessários para adquirir essa pequena pérola da narrativa visual. Adaptados pelo quadrinista alemão Mathias Schultheiss, esses contos de Bukowski ganham uma nova dimensão narrativa, não apenas por causa da linguagem dos quadrinhos, que consegue condensar as idéias e dizer o indizível, mas também porque os desenhos de um autor conseguiram traduzir visualmente o que o outro colocou em seus textos.

Os desenhos do Mathias Schultheiss são incríveis. Por que? Difícil explicar. Por que o céu é bonito? Porque é azul? Ele só é azul por causa do oxigênio. Mas, mesmo assim, o céu é bonito.

O que o Schultheiss faz com a pena é teoricamente simples: ele traça contornos, e depois coloca várias camadas de detalhes. Hachuras, pontinhos, risquinhos, linhas que definem músculos, veias e pele. Seus riscos não delimitam os personagens em figuras chapadas e recortadas: esculpem pessoas vivas no papel, cheias de rugas, cabelo, pêlos, e todos os detalhes nojentos que fazem de uma pessoa uma pessoa. Ele não desenha ninguém bonito, ou sublime, ou suave: todo mundo parece sujo e vil, usado, amassado, gasto, cansado, pobre, amargurado, meio burro. Os lugares que sua pena descreve são duros, ásperos e humilhantes, sempre claros demais ou escuros demais, quentes demais ou frios demais. Como a vida real.

Como os textos de Charles Bukowski.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Excelsior!

Amigos leitores, é com inenarrável satisfação que lhes apresento Quadrinhos Coquetes, o mais novo blog de quadrinhos do Brasil. Minh'alma está iridescente de alegria enquanto escrevo essas maltratadas, digo, maltraçadas.

Neste humilde espaço virtual, eu e minha companheira de aventuras Clarah Averbuck traremos aos senhores as resenhas mais inspiradas, viscerais, opinativas e emocionantes sobre quadrinhos novos e velhos, sagrados e profanos. Acompanharemos os últimos lançamentos no mercado editorial brasileiro, além de relembrar velhos clássicos e sucessos do passado.

Com as mais sinceras saudações,

Daniel Poeira
um seu criado.