sexta-feira, 4 de abril de 2008

"Fun Home" de Alison Bechdel

Alison Bechdel, 2006
Ed.: Conrad
2007

Fun Home tinha tudo para dar errado: é um livro confessional, sem piadas, grosso, denso, complexo, cheio de citações literárias e que toca temas tabu como homossexualismo e pedofilia. Junte tudo isso a uma autora com cara de intelectual e um desenho todo preto branco e verde e você tem nas mãos... o que? Um fracasso editorial?

Não. Sinto muito. Fun Home é fantástico. E é um sucesso também. Foi eleito o Livro do Ano de 2006 pela revista Time, e ganhou o Eisner Awards em 2007, e conseguiu desmistificar tudo aquilo que eu disse anteriormente. Em um momento em que os quadrinhos independentes americanos correm o risco de se afogar na lama do egocentrismo, com enxurradas de histórias confessionais e auto-biográficas inundando os zines, sites e revistas, Bechdel conseguiu criar uma narrativa pertinente, intrigante, e cheia de personalidade.

O livro conta a trajetória da relação entre a autora e seu pai, um homem complicado e cheio de mistérios, que morreu atropelado por um caminhão aos 44 anos de idade. O livro não segue uma ordem cronológica que culmina com a morte do pai: cada capítulo explora uma dimensão diferente dessa relação, apresentando peças de um quebra-cabeças que a autora vai montando ao longo das páginas.

Não, não é mais um livro sobre pais que estupram as filhas que se tornam lésbicas rancorosas. Eu caí na tentação de pensar isso quando li a orelha do livro, mas em poucas páginas o talento narrativo e a delicadeza de Bechdel dissolveram meu preconceito. Ela aborda os temas de uma maneira ao mesmo tempo direta, sensata, organizada e lógica, sem perder nunca os detalhes complexos da personalidade e da psiquê de todos os personagens.

Apesar de falar sobre os problemas secretos do pai, as dúvidas sobre a causa de sua morte, e a descoberta da sexualidade pela autora, o tema central e mais interessante do livro é a literatura propriamente dita. Depois de explicar e analisar sua complexa relação com o pai, Bechdel mostra como conseguiu, a partir de um certo momento da vida, manter uma relação com o pai, e que isso só se deu através da literatura. Essa parte do livro abre espaço para muitas discussões interessantes sobre a função da arte e da cultura, e da literatura em particular. E o mais importante de tudo: essa discussão acontece em um livro de quadrinhos!

Talvez a autora pudesse ter falado mais sobre isso. Que eu me lembre, em momento algum do texto ela explica sua opção pelos quadrinhos: apenas mostra cenas em que ela desenha na adolescência. Também vemos a palavra “tragicomédia” no subtítulo do livro, mas eu não me lembro de ter achado nada engraçado em toda a narrativa. É claro que a história é um drama, uma espécie de auto-terapia, que é sempre uma maneira muito difícil e corajosa de lidar com certas recordações e sentimentos. Mas a comédia nasce da destruição, da desgraça e da morte, e o humor muitas vezes é a única maneira que o ser humano tem de encarar tudo isso. Mas quem sou eu para dizer o que os outros devem fazer em seus livros?

Resumindo: Fun Home é um livro pessoal sem ser egocêntrico, denso ser ser hermético, complexo sem ser chato, emocionante sem ser piegas. Para ler sozinho em um dia de chuva, ou de madrugada, deitado na cama e pensando um cigarro.



Update: o site da Conrad está dando um descontinho no livro por conta do lançamento, se quiser comprar vá direto no site deles que sai mais em conta! É só clicar aqui.

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